O especialistas em assuntos africanos Victor Hugo Nicolau, afirma que a situação no Zimbabwe é caótica:
De facto, a percepção cada vez mais generalizada de que a liderança política zimbabweana está profundamente corrompida e se preocupa, acima de tudo, com o seu auto-enriquecimento, alimenta hoje uma boa parte dos protestos populares. Essa percepção (facilitada pelo ostentar de símbolos de status, como mansões, automóveis de luxo, telefones celulares, etc.) anda de mãos dadas com a séria deterioração das condições gerais de vida e agudiza a sensibilidade pública quer para os processos de acumulação de riqueza por parte dos governantes e das suas clientelas quer para a ausência ou grave insuficiência dos recursos destinados a mitigar as dificuldades da maioria dos cidadãos. Um aspecto que merece ser sublinhado, porque revelador das alterações na composição da base de apoio do partido dominante, consiste no papel cada vez mais activo que os estudantes, os assalariados urbanos e os intelectuais têm vindo a desempenhar na denúncia do enriquecimento da elite governante. Este notório virar de costas à liderança da ZANU (PF) e do Estado por parte de sectores que tradicionalmente os apoiavam reflecte as transformações sofridas pela elite político-partidária, hoje convertida numa burguesia de Estado4.
9Cresceu também o descontentamento entre a população rural, cada vez mais atingida por carências de toda a ordem e severamente afectada por vários anos de seca na década de noventa. À crítica baseada em argumentos «modernos» tais como a corrupção e a falta de responsabilização política dos governantes perante os governados junta-se a condenação «tradicional» que resulta da quebra de harmonia entre uma acumulação que é evidente e uma não menos notória ausência de redistribuição. Diga-se a este respeito que a resolução de Mugabe em incitar as populações a ocupar a terra dos agricultores comerciais de origem europeia afirmando ser necessário derrubar os últimos resquícios do colonialismo (atitude tomada pelo Presidente precisamente numa altura em que se levantavam sérias ameaças eleitorais à continuidade do seu regime) reflecte bem a sua consciência da necessidade de se legitimar aos olhos do eleitorado rural através dos velhos mecanismos de gestão das reservas colectivas. Por conseguinte, e numa clara tentativa de reforçar a sua legitimidade, Mugabe apressou-se a chamar a si o tradicional papel do chefe enquanto redistribuidor de terra aos seus súbditos.
10O conflito sobre a terra, pelas suas raízes profundíssimas e pela enorme carga emotiva e simbólica que continua a transportar, merece uma referência especial. Do ponto de vista analítico, e de acordo com os actores directamente envolvidos, podemos considerar que as disputas fundiárias são observáveis a dois níveis:
11— Um nível a que poderemos chamar central e que se traduz no conflito entre o regime e as forças que apoiam a indigenização da economia, por um lado, e os agricultores comerciais e as entidades doadoras internacionais, por outro. Este conflito, embora encerre motivações económicas (como seja a corrida pela posse de vastas propriedades fundiárias que mobiliza um bom número de figuras de relevo do regime, às mãos das quais têm ido parar muitas das propriedades que o governo dizia destinar ao realojamento de famílias rurais necessitadas de terra), é impelido acima de tudo pela tentativa de reforço da legitimidade do partido dominante entre as populações rurais, para quem a questão da terra é extremamente mobilizadora.
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